Por
François Silvestre
Dizia Samuel Johnson, se não
me trai a Memória, que “o patriotismo é o último refúgio dos canalhas”. A
leitura que faço desse desabafo tem a ver com a desculpa do “patriotismo” para
sustentar tiranias ou perseguir desafetos.
A História é pródiga nesse
comportamento. Os “patriotismos” de Stalin, Hitler, Salazar, Franco, Pinochet,
Videla, Castelo Branco, Costa e Silva, Garrastazu, Geisel. É vastíssima a
patota dos “patriotas”.
E todos os seus adversários
não são inimigos seus. São “inimigos do povo e traidores da pátria”.
Lembro-me de um capitão, nos
tempos do serviço militar, que dizia nas “aulas de instrução”: “Esses que
nasceram aqui, mas são maus brasileiros”. E eu ficava muito contente porque era
confessadamente um “mau brasileiro”.
E vez ou outra eu discutia
com esse capitão e outros superiores, nessas aulas de instrução. E aqui faço
justiça, eles me tratavam bem. Não eram politiqueiros fardados. Eram apenas
militares profissionais, convencidos de que a pátria precisava selecionar os
seus filhos.
Rilke Santos, que serviu na
mesma Bateria, já contou isso em várias outras oportunidades. Ao dizer: “Aquele
recruta magrelo e amarelo discutia com os oficiais e nós nos divertíamos”.
Naquele momento da vida
nacional o patriotismo era reivindicado como propriedade de cada lado.
E o pior é que no núcleo dos
insatisfeitos com a Ditadura, fogava-se no monturo uma fumaça de ranços
pessoais, invejas inconfessáveis e pequenos ódios que ainda hoje habitam mentes
e mídia, nesse lamaçal do patriotismo mal resolvido.
Nenhuma pátria sai incólume
das ditaduras. E o Brasil é um país que se desloca entre intervalos de exceção
e democracia de faz de conta. Hoje é o faz de conta. Tomara que fique assim, a
fazer de conta. Do que viver dos restos da desgraça escancarada.
Mas é possível amadurecer?
Claro. Basta não fazer do patriotismo um refúgio de canalhas. Deixar a
canalhice ter liberdade de ação, sem lhe dar crédito.
O Rio Grande do Norte pariu
um Presidente da República, Café Filho. Envolvido pelo “patriotismo” udenista,
conspirou contra a democracia, entrando no poder pela fresta estreita da
tragédia e dele saindo pelo escancarado portão da melancolia.
João Café Filho só foi um
patriota ao defender, no púlpito sindical e advocatício, os interesses
populares. Depois, esqueceu sua terra, aposentou seus princípios e entrou na
definição de Johnson.
Jânio Quadros e Carlos
Lacerda foram dois “patriotas” usurários da pátria.
Em Jânio, a canalhice é tão
notória que dispensa argumentação.
Em Lacerda, basta ler suas Memórias, onde
ele afirma não ter qualquer escrúpulo em macular a honra de ninguém desde que
servisse ao que ele considerava útil aos seus propósitos de poder.
Patriotismo edificante é o
da professora primária, nos grotões das escolas isoladas.
Té mais.
François Silvestre é escritor
* Texto originalmente publicado nomNovo Jornal.
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